O tema é polêmico, dinâmico e tem exigido debates extensos e em diferentes segmentos e camadas sociais. Afinal, a atividade do mutualismo é legal ou não? O que diz a Constituição Federal? O que falta para que essa regulação saia do papel? Essas e outras questões serão faladas por advogados especialistas em associativismo.
Primeiramente, é necessário compreender o cenário nacional e o que isso representa para a economia brasileira. Segundo a Hinova Sistemas, atualmente, existem cerca de 3 mil associações, 6 milhões de associados, uma arrecadação de 1 bilhão ao mês à economia brasileira, o que gera mais de 100 mil empregos diretos e mais e de 200 milhões de empregos indiretos. Por meio das associações, muitas pessoas que não têm acesso à proteção privada puderam ter seus bens protegidos e benefícios alicerçados aos ideais mutualistas.
Várias entidades têm se organizado para defender essa causa por entender a revolução social e econômica que as proteções veiculares causam. Porém, isso não é um consenso, sobretudo entre profissionais da área das seguradoras, por defenderem que as proteções veiculares não são legais, que cada associação possui seu próprio estatuto e sem fiscalização de espécie alguma.
Contrapondo a essa ideia, o advogado Gabriel Teixeira Borges defende que as associações de socorro mútuo possibilitam a proteção patrimonial de seus associados em um formato solidário e justo, evita que o indivíduo fique preso apenas em um sistema tradicional, recolhem impostos, além de ser uma atividade legal, baseada no rateio. “Trata-se de um grupo restrito de ajuda mútua, segue a legalidade, em específico o Código Civil e Constituição Federal. Se as associações não seguissem a legislação, não teriam a autorização de funcionamento e registro do Estado por meio dos Cartórios”, afirma.
O ministro do STJ João Otávio de Noronha, durante o II Simpósio de Direito Associativo em Proteção Veicular e Seguro Mútuo, realizado pela Comissão de Direito Associativo da OAB/MG, destacou que as “associações são uma expressão de liberdade. “Atrás do seguro tem um investidor; da associação é a solidariedade. Não a solidariedade no sentido técnico em que um é responsável por todos. Solidariedade no sentido de compartilhamento de despesas”. E expôs. “As associações podem e devem se reunir para praticar atos no conjunto, coletivamente. Não vejo aqui nenhuma tipicidade, quer no âmbito penal, quer no âmbito civil, que desautorize a criação, o funcionamento das associações”.
Na Constituição de 1988, a liberdade de associação foi tratada no título dos direitos e garantias fundamentais, seu Art. 5º, incisos XVII a XXI, define que é plena liberdade de associação para fins lícitos, que independem de autorização, sendo vedada a interferência estatal sem seu funcionamento. Além disso, a Constituição Federal também determina o estímulo de práticas associativas, no Art. 174, CF – § 2º A lei apoiará e estimulará o cooperativismo e outras formas de associativismo.
O Art. 3º mostra que constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: construir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. “Todos esses objetivos fazem jus ao que as proteções veiculares defendem. A finalidade das Associações de Socorro Mútuo é possibilitar a divisão das despesas já ocorridas entre os seus associados, não existe na atividade dessas associações o recolhimento prévio ou formação de fundo que presente a garantia de riscos futuros. Essa ajuda mútua tem como objetivo o rateio das despesas ocorridas e divididas posteriormente.
Apesar de a Constituição Federal já reconhecer a atividade das associações no país, muitos diretores, presidentes e até associados prezam pela criação de uma norma regulatória para a associação de rateio de despesas ocorridas/socorro mútuo, uma vez que ela servirá para dar maior equilíbrio entre associado e associação, evitar condutas lesivas aos participantes por parte dos gestores, além de proporcionar maior transparência e segurança jurídica aos associados.
Ainda segundo Borges, o que tem sido proposto é uma regulamentação do contrato atípico criado pelas associações, deixar mais claro e dar mais proteção na forma de realizar o rateio e proteger os associados que aguardam o socorro. Cada associação continua livre para criação das regras entre seus associados. “O objetivo de uma lei sobre esse tipo de atividade é que não seja confundida com o seguro empresarial (contrato típico e regido por lei específica), evitando qualquer erro daquele que pretenda participar de um grupo de rateio e seja reconhecido o modelo já aceito pelos brasileiros, que são as associações de socorro mútuo. “Dizer que pode ser, atualmente, apenas o seguro por Sociedade Anônima ou, se aprovado o projeto das cooperativas, como Cooperativa de seguro, como já mencionado, não irá preencher essa necessidade da sociedade brasileira que faz parte da proteção veicular e, tampouco essas associações existentes irão conseguir mudar para um sistema complexo de seguro”.
Para o advogado Bady Curi não há necessidade se de regulamentar algo que já é reconhecido pela Constituição Federal. “A Constituição Federal já regulamenta as associações. Onde ela não veda, não cabe nem ao intérprete, no caso o Poder Judiciário, impedir. Se a Lei já determina o que é uma associação, ela é expressa, sabendo que uma associação não pode ter distribuição de lucro, por ser sem fins lucrativos, não pode se paramilitar nem ter fins ilícitos. As pessoas podem se associar, inclusive incentivados pela própria Constituição”.
Segundo a advogada Fabiana Corrêa Sant’Anna, os líderes das entidades de socorro mútuo precisam conhecer as propostas legislativas atuais, estabelecer diálogos com o Executivo, compreender a posição do Judiciário e se apresentar aos fóruns, à Justiça Federal, nos Tribunais Regionais e STJ para que os julgadores conheçam os benefícios do associativismo. “O que chega ao conhecimento do judiciário são as demandas dos associados e as denúncias da Susep (Superintendência de Seguros Privados e Ministério Público). O Judiciário precisa conhecer, também, os bons resultados que a atividade traz”. E acrescenta. “Entendendo que, enquanto não houver participação mais efetiva e coordenada, não haverá interesse em regular a atividade, especialmente porque há forças contrárias a regulamentação que são economicamente muito fortes e muito bem representados nos três poderes”.
De acordo com o ex-ministro da Justiça e advogado geral da União, José Eduardo Cardozo, atual assessor jurídico da FAN, é necessário alinhar estratégias futuras para se consolidar um ambiente regulado para as associações de socorro mútuo no Brasil. “Para um bom trabalho, vamos dividir nossos esforços em dois grupos, um técnico com a participação dos advogados ligados à FAN e outro político, liderado pelo presidente da FAN, Cauby Morais”, destacou Cardozo.
Os trabalhos da assessoria comandada por José Eduardo também irão participar junto à FAN de processos, em que a entidade figurar como “Amicus Curiae (expressão latina que, no bom português, significa Amigo da Corte)”, que terá por finalidade fornecer subsídios às decisões dos tribunais, oferecendo melhor base para questões relevantes e de grande impacto ao associativismo.
Segundo o presidente da FAN Cauby Morais, já tem sido realizados importantes simpósios, debates e frentes parlamentares de diferentes partidos que defendem e acreditam que a regulação está muito próxima. “Estamos lutando arduamente para a regulação, estudando a legislação, inclusive da União Europeia e do Mercosul, para fazermos tudo de forma transparente, democrática e que vise sempre a justiça social”.
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